quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O prazer do encontro


O prazer do encontro.
Ana Carmen Nogueira
Ontem Julia e Lívia vieram ao meu ateliê para pintar a rabeca artesanal que construíram.
A rabeca é linda, o corpo é feito de cabaça e o cabo de madeira de construção. No domingo, dia dos pais, foi a primeira vez que vi o instrumento. Estávamos todos sentados à mesa na grande varanda da casa de meus sogros quando abriram a sacola e de lá tiraram o instrumento.
A poesia existe nas pequenas coisas, e lá estava ela. Essas duas meninas, delicadas, cuidadosas no estar no mundo, trabalham com música e arte no seu dia-a-dia. Contam histórias de suas intervenções com as crianças e como gostariam de que elas despertassem para um olhar mais atento e curioso sobre o mundo. Oferecem esperança e poesia. E assim foi quando, no meio das conversas e discussões, elas suspendem o momento para mostrar o que haviam construído. Lindo, leve, sonoro.
Vamos pintar? Proponho. Aceitam.
Vieram ontem aqui no ateliê. Chegaram suaves como veludo. Mostrei algumas ideias, apresentei o material e iniciamos os trabalhos. Durante quatro horas não sentimos o tempo passar. Concentradas, serenas com o coração, o desejo e a mente em harmonia, naquele momento sentimos que nosso pensamento e desejo estavam em uníssono, em estado de fluidez como nos fala  Mihaly Csikszentmihalyi (2007, p. 42 tradução minha).

Os atletas se referem a esse momento como a zona, os místicos como “êxtase”, e os artistas e músicos como “arrebatamento estético”.  Atletas, místicos e artistas fazem coisas muito diferentes quando experimentam estes estados de fluidez, mas suas descrições das experiências são extraordinariamente parecidas.

A arte é uma das atividades que produzem momentos de fluidez, pois quando estamos desenvolvendo um projeto estamos concentradas, sem espaço no pensamento para coisas que nos distraiam a não ser o percurso e a meta a cumprir. Corpo e mente em conexão faz com que tenhamos a sensação de uma vida plena.
Foi pleno, e me vejo sorrindo quando me lembro de nosso encontro, da pintura e da rabeca linda contendo esperança de criação de espaços sonoros, sonhos e devaneios.
Terminamos a noite com pizza e vinho e a certeza de que a experiência da arte faz sentir que a vida vale a pena.

Referência
CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Aprender a Fluir. Barcelona: Editorial Kairós. 5ª edição, 2007


Ana Carmen Nogueira, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie. Graduação em Artes Plásticas. Especialista em Educação Especial com aprofundamento na área de deficiência visual e Arteterapia. Desenvolve pesquisa de pintura encáustica, ministra cursos desta técnica e atua como Arteterapeuta no Ana Carmen Nogueira Ateliê de Artes

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