No domingo um casal de amigos veio aqui em
casa. Na verdade, não são apenas um casal de amigos, eles são um casal de
amigos bruxos. Não os associem à bruxaria do mal, com coisas do submundo. Eles
entendem de coisas que estão por aí, que não vemos, mas sentimos. Conseguem
interpretar o que está sussurrando. Compreendem as ressonâncias e as
reverberações. São bruxos encantadores.
Mostrei a eles o trabalho que fiz junto com
minha prima no sítio em Vinhedo. Minha prima havia perdido o marido e fiquei
com ela durante uma semana para ajudar o seu fortalecimento. No meio do
turbilhão do luto, da perda da pessoa amada, do fim de um sonho de uma
aposentadoria tranquila no sítio, minha querida prima se sentiu só. Sem nada,
sem planos, sem companheiro, sem suas bagunças. Só.
Fui arrumando com ela as coisas de fora para
dentro. O entorno da casa estava largado. Fomos guardando coisas que haviam
sobrado do churrasco que não terminou. Limpamos a churrasqueira, guardamos as
grelhas. Retiramos as latas e garrafas. Limpamos o terraço. Recolhemos as
ferramentas espalhadas pelo jardim e organizamos o depósito. No meio de tudo
isso, jogado no tempo um carretel de madeira gigante estava esquecido no
quintal. Minha prima diz que sempre quis fazer dele uma mesa com mosaico. Não
tive menor dúvida, é isso que vamos fazer, catar e colar caquinhos de fora para
dentro, para poder soltar o que está dentro para fora. Como um carretel.
Meu trabalho como arteterapeuta era auxiliar
e incentivar a sua criação e observar o seu caminho, suas reações, expressões e
falas e desenvolver um diálogo onde ela pudesse viver o seu luto, procurar
soluções por meio de sua produção simbólica.
Por meio do mosaico, fomos confrontando suas
dores, suas dificuldades e colocando no lugar suas ideias e emoções,
organizando seus conteúdos, se descobrindo e aumentando sua autoestima e
autoconhecimento.
Do mosaico que criamos surgiu uma Flor de Lis
no olhar de meu amigo bruxo. Ele me explica que a Flor de Lis carrega uma
potência de recriação de vida, de mensagem de uma nova Era, um processo de
limpeza para um novo porvir. A Flor-de-Lis, para o sistema havaiano de cura Ho’oponopono
é o símbolo de paz, onde algo irá mudar, é um veículo de luz, é a nova aliança
entre o céu e a terra conectando diferentes dimensões.
A forma de usar a Flor-de-Lis é coloca-la
sobre a situação conflituosa. São os nossos conflitos internos, nossos pensamentos
que estão em constante guerra conosco. Se estamos bem, tudo fica bem. A paz
começa conosco. Para meu amigo bruxo, ao colocarmos a Flor-de-Lis sobre o tampo
da mesa para fazer o mosaico estávamos colocando de lado o sofrimento e as
preocupações e difundindo uma cultura de paz.
Essa leitura externa do trabalho feito em
Vinhedo, que acabou envolvendo minha prima e sua filha e a filha de sua filha,
em um momento de grande paz interior, me fez ter a certeza do poder
transformador do fazer artístico. Estávamos assim, por meio da arteterapia,
reorganizando o caos, ressignificando afetos, transformando emoções,
reordenando mundos, reutilizando materiais, mudando a percepção do mundo e
abrindo caminhos para o enfrentamento de uma nova etapa na vida.