segunda-feira, 24 de junho de 2013

Minha amiga professora “de nada”

 


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Minha amiga, Maria José Falcão, é professora “de nada”. Ela trabalha em uma escola no interior de São Paulo. Professora “de nada” não tem sala adequada, o material é escasso, mas é o nada que faz produzir coisas incríveis. Maria José em toda sua simplicidade “de nada” encanta na sua fala mansa quando conta histórias de seus alunos.
Em Monte Alegre do Sul (SP), o grupo de pesquisa em mediação cultural: Contaminações e Provocações Estéticas, do qual eu fazia parte, foi passar o final de semana que chamamos de Seminário de Verão. Estávamos todas trabalhando em nossos textos, discutindo teóricos de arte, apresentando pontos de vista quando, no meio do burburinho, chega Maria José tranquila, devagar, fala mansa, carregando seu material.
Continuamos a falar, discutir sem dar muita atenção. Estávamos divididas em duplas de trabalho e como chegou atrasada ficou sem par. Sentou-se tranquilamente na varanda aguardando a discussão se encerrar, seu texto já estava pronto, então sobrara o nada para ela.
Quando acabei meu trabalho de dupla, sentei ao seu lado. Olhei, distraidamente, por cima da mesa e vi uma frasqueira de couro vermelha dos anos 60. Meu olhar se deteve naquele objeto que me fez voltar no tempo, aqueceu meu coração, aguçou minha curiosidade. O que tem aí? Pergunto. No seu jeito simples de ser, cuidadoso e quase tímido, ela diz que são trabalhos dos alunos que trouxera para mostrar. Quer ver? Abre com cuidado e um universo surge: pequenos potes de vidro de tamanhos e formatos diferentes apresentam segredos poéticos descobertos durante as aulas “de nada”.
Muitas vezes as pessoas perguntam sobre o quê ela dá aula ao que responde sem o menor constrangimento “sou professora de nada”, é o grande nada da arte, a potência de ser, o invisível que torna visível, o não falado que torna expressão, o silêncio que torna pulsar.
Maria José explica que arte não tem um espaço na escola e sabemos que para muitas pessoas não tem lugar na vida, porque não serve para nada. Quantas vezes não escutamos de algumas pessoas que não gostariam que seus filhos se embrenhassem pelos caminhos da arte por não fazer parte do mundo real? No entanto são as coisas inúteis da arte que nos fazem explorar, que nos fazem questionar e que nos impulsionam a empreender. Nem todos nós seremos artistas, mas todos precisamos estar abertos para o mundo, precisamos ter coragem de bater as asas, de olhar um problema sobre uma nova perspectiva, e isso a arte nos dá. A arte provoca a curiosidade, desperta a inteligência, ensina a ver e ter ousadia no pensar.
Voltemos para os pequenos vidros que estavam dentro da frasqueira de Maria José. Inspirados pela música de John Cage de 4’33” de puro silêncio que são espaços de silêncios povoados de outros sons, cada aluno colocou o som que havia escutado dentro do vidro. Podia ser um som real ou o som da imaginação. Foram coletados os sons do bater das asas de uma borboleta, da água da goteira que cai na carteira, do pó do giz da lousa, da bolinha de papel, do pedaço de anel quebrado. Em cada vidro foi guardado o espaço da arte na escola.
Naquele momento de suspensão, nós, mulheres, pesquisadoras, arte-educadoras, ficamos em volta da mesa, na varanda, com o pôr de sol ao fundo, escutando Maria José e nos deleitando com as coisas “inúteis” que a arte nos proporciona.
Ana Carmen Nogueira é Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie. Graduação em Artes Plásticas. Especialista em Educação Especial com aprofundamento na área de deficiência visual e Arteterapia. Coordenadora do grupo de mulheres caiçaras “Saíras do Bonete” em Ubatuba, São Paulo. Desenvolve pesquisa de pintura encáustica, ministra cursos desta técnica e atua como Arteterapeuta no Ana Carmen Nogueira Ateliê de Artes.



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