O prazer do
encontro.
Ana
Carmen Nogueira
Ontem Julia e
Lívia vieram ao meu ateliê para pintar a rabeca artesanal que construíram.
A rabeca é
linda, o corpo é feito de cabaça e o cabo de madeira de construção. No domingo,
dia dos pais, foi a primeira vez que vi o instrumento. Estávamos todos sentados
à mesa na grande varanda da casa de meus sogros quando abriram a sacola e de lá
tiraram o instrumento.
A poesia
existe nas pequenas coisas, e lá estava ela. Essas duas meninas, delicadas,
cuidadosas no estar no mundo, trabalham com música e arte no seu dia-a-dia.
Contam histórias de suas intervenções com as crianças e como gostariam de que
elas despertassem para um olhar mais atento e curioso sobre o mundo. Oferecem
esperança e poesia. E assim foi quando, no meio das conversas e discussões, elas
suspendem o momento para mostrar o que haviam construído. Lindo, leve, sonoro.
Vamos pintar?
Proponho. Aceitam.
Vieram ontem
aqui no ateliê. Chegaram suaves como veludo. Mostrei algumas ideias, apresentei
o material e iniciamos os trabalhos. Durante quatro horas não sentimos o tempo
passar. Concentradas, serenas com o coração, o desejo e a mente em harmonia,
naquele momento sentimos que nosso pensamento e desejo estavam em uníssono, em
estado de fluidez como nos fala Mihaly
Csikszentmihalyi (2007, p. 42 tradução minha).
Os atletas se referem
a esse momento como a zona, os místicos como “êxtase”, e os artistas e músicos
como “arrebatamento estético”. Atletas,
místicos e artistas fazem coisas muito diferentes quando experimentam estes
estados de fluidez, mas suas descrições das experiências são
extraordinariamente parecidas.
A arte é uma
das atividades que produzem momentos de fluidez, pois quando estamos
desenvolvendo um projeto estamos concentradas, sem espaço no pensamento para
coisas que nos distraiam a não ser o percurso e a meta a cumprir. Corpo e mente
em conexão faz com que tenhamos a sensação de uma vida plena.
Foi pleno, e me
vejo sorrindo quando me lembro de nosso encontro, da pintura e da rabeca linda
contendo esperança de criação de espaços sonoros, sonhos e devaneios.
Terminamos a
noite com pizza e vinho e a certeza de que a experiência da arte faz sentir que
a vida vale a pena.
Referência
CSIKSZENTMIHALYI,
Mihaly. Aprender a Fluir. Barcelona: Editorial Kairós. 5ª edição, 2007
Ana Carmen
Nogueira, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade
Mackenzie. Graduação em Artes Plásticas. Especialista em Educação Especial com
aprofundamento na área de deficiência visual e Arteterapia. Desenvolve pesquisa
de pintura encáustica, ministra cursos desta técnica e atua como Arteterapeuta
no Ana Carmen Nogueira Ateliê de Artes
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