Dois meses vivendo aqui em Salt Lake City. Meu inglês melhorou muito,
mas está longe de estar bom. Já entendo bem mais e melhorei um pouco para
falar. Continuo achando tudo lindo por aqui. Cada caminhada é uma nova
descoberta. Agora que não tenho ido mais na escola, saio pela manhã para dar
uma volta com Charlie, o cão, nas ruas próximas à casa da Silvye. As flores estão
explodindo e a cada dia aparece uma nova. No início do mês foram as tulipas,
depois as írises, as papoulas, e agora, são as rosas.
As árvores estão verdes, e algumas têm folhas vermelhas. As árvores cotton
woods estão explodindo e o ar está carregado de flocos de algodão dançando
pelas ruas.
Aqui, a natureza tem pressa, elas têm apenas a primavera para mostrar
suas cores, flores e folhas. Do dia 20 de março até o dia 21 de junho ela
precisa se mostrar, depois vai ficar muito quente e a natureza vai ter que se
preparar para o colorido do outono e depois dormir embaixo do branco do
inverno. Ontem no Red Butter Garden pudemos sentir a força e a beleza da
natureza. Para nós, que vivemos no Brasil, e temos flores e verde o ano
inteiro, estações tão definidas como aqui são surpreendentes.
Para mim mostra como a vida passa rápido, tudo é muito efêmero.
A cidade de Salt Lake City é dividida por diferentes bairros que eles
chamam de city. Cada city tem um “prefeito” que é escolhido por meio de voto
das pessoas que moram no local. Além de escolas a city possui um clube com toda
infraestrutura. As escolas dos bairros oferecem diferentes esportes e Daniel,
filho da Silvye faz parte da equipe de polo aquático. Ontem fui assistir ao final de campeonato de polo aquático das
escolas estaduais Utah High School Water Polo. Bengals X Vikings. Bengals são
da Brigthon High School e estão ligados ao Cottonwood Heights Recreational
Center, que é o clube do bairro. Os Vikings são da escola estadual Viewmont
High School fica em Bountiful onde também tem o clube para seus treinamentos.
O final do campeonato aconteceu no Murray City Parks and Recreation.
Eles possuem e piscina, uma para competições, outra de lazer cheia de
brinquedos, ambas internas e uma externa que só é aberta no verão. Tudo isso
fica no meio de um belo parque, com local para encontros, caminhadas.
A competição aconteceu à tarde e estava com a arquibancada lotada. Silvye
insistiu para que eu levasse a máquina para tirar fotos da competição e levei. Não
sei fotografar esporte, minha máquina não tem uma lente muito potente e não
conseguia aproximar o quanto queria. Fiquei em baixo perto da piscina sentada
em um banco da lateral. A arquibancada fica acima de onde eu estava. Logo as meninas
do polo aquático sentaram ali para torcer pelos meninos. Elas já haviam jogado
e ganharam o campeonato.
E lá fiquei eu, sentada no meio das atletas, todas loiras, altas e
magras.
Pena que eu não tenha uma foto para mostrar.
Foi bom ver a alegria daqueles meninos quando o jogo acabou.
Exaustos, mas muito felizes.
Para alguns deles, esse foi o último jogo para o time, eles estão indo
para a universidade. Daniel ainda tem mais um ou dois anos pele frente.
Foi bom ver o seu sorriso de satisfação e de conquista e o olhar dos seus
pais de orgulho pelo filho.
É bom sentir esses momentos em que tudo está em suspensão e o que
interessa é o estar e viver e fazer o seu melhor.
A construção da represa de Flaming Gorge teve início em 1958 e terminou
em 1964. Foi construída uma pequena cidade para os seus trabalhadores.
Posteriormente essas casas foram vendidas e Steve, amigo de David comprou uma
delas. É uma ótima casa, com jardim na frente e no quintal. Tem uma grande sala
de visitas, uma sala de sol (toda envidraçada) que dá para o quintal. Cozinha,
despensa, três quartos e um banheiro completo e um lavabo. Ao lado da casa tem
uma garagem onde Steve guarda seu barco e tem uma pequena oficina.
O Green River alimenta a represa de Flaming Gorge com sua água gelada o
ano inteiro. Essa temperatura da água é ideal para o criadouro de peixes como a
truta. Todo o entorno encontramos a montanhas rochosas com seu colorido
vermelho, ocre e verde e vegetação de arbustos, cactos e pinheiros. Em 2015 ocorreu
um incêndio de grandes proporções que queimou mais de setenta e cinco acres da reserva
de Flaming Gorge. Ainda hoje podemos ver e sentir o resultado da queima de
tantas árvores. Parece que passou um enorme cortador pelas montanhas deixando
uma parte dela com uma mata rasteira.
David, no sábado, saiu logo cedo para ir pescar, e nos deixou dormindo
em casa. Voltou por volta das 9 horas da manhã todo feliz com os peixes que
pescou e nos apressou para iniciarmos nossa descoberta pelo Green River.
O rio é lindo, é muito bom escutar o som das águas passando pelas
pedras. Deixei para trás Patrícia e Silvye, na disputa de quem fala mais e fui
caminhando pela beira do rio capturando pequenos momentos para compartilhar.
Mais tarde fomos para o lago, e demos uma parada na montanha para nosso
treinamento de vida no Oeste. Aqui, segundo David, todos tem uma arma e sabem
atirar, por isso não tem violência. Patrícia e eu iniciamos nosso treinamento
obedecendo todas as ordens e alertas de Sgt Harrison.
Depois do treinamento fomos para o lago. O dia estava bem quente, Patrícia
colocou o pé na água e agradeceu por ter se contido e não ter se jogado na água.
Sexta-feira, dia 13 de maio, Patrícia chegou
aqui em Salt Lake City. Eu a conheci em meu ateliê, onde foi pesquisar um pouco
sobre a área de artes e saber sobre a pintura encáustica. Ela trabalha na bolsa
de valores de São Paulo na área de TI e procura abrir outros caminhos por meio
da arte para ampliar seu horizonte. Me contou que sempre procura, em seu horário
de almoço, alguma alternativa cultural para atenuar o desgaste da rotina diária
do trabalho. Desde o começo a achei uma pessoa muito interessante e muito
aberta para conhecer e saber mais.
Quando eu já estava por aqui Patrícia me
escreveu contando que estava partindo de férias para os Estados Unidos em uma
espécie de “mochilão”: Boston, New York, Filadélfia, Washington DC, e depois
iria para São Francisco e Los Angeles. Lá ficaria duas semanas para fazer um
curso de inglês e voltaria para São Paulo.
Contei a aventura para Silvye e ela logo abriu
seus braços e coração para recebe-la em sua casa aqui em Salt Lake City.
Planejamos então, um passeio para mostrar um pouco da natureza exuberante do
estado de Utah.
Silvye e eu fomos pegar Patrícia no aeroporto às
15 horas, enquanto David organizava as coisas para sairmos de viagem. Iríamos
no carro de Silvye, mas no final, era tanta mala, geladeira, comida, tranqueira
para a pesca e Charlie...foi impossível, mudamos tudo para a van de David. A
van é enorme, parece carro que se usa para sequestro em filmes.
Um amigo de David é pescador, ele pratica o Fly
Fishing. Quem não conhece pode ver o filme dirigido por Robert Redford “ Nada é
para sempre” (A River Runs Through It, 1992), é uma modalidade de pesca
que é uma arte e é muito praticada no Green River em Flaming Gorge. Steve tem
uma casa em Flaming Gorge e emprestou para passarmos o final de semana. A viagem
até lá dura umas três horas. Para chegarmos lá temos que passar pelo estado do Wyoming
e voltar de novo para o Estado de Utah. Assim como a viagem para Califórnia, a
paisagem é maravilhosa, mas as montanhas possuem outras colorações, além do
ocre e do vermelho. Ali elas adquirem tons esverdeados, dourados, parece que
alguém passou um pincel horizontalmente pelas montanhas. É lindo.
Tínhamos pressa de sair para não pegar a
estrada no escuro perto de Flaming Gorge, pois nesse horários os veados, alces,
e outros animais estão em deslocamento e atravessam a estrada na frente dos
carros, o que pode causar um acidente bem grave.
Conseguimos sair de casa por volta das 16:30,
os dias estão bem compridos por aqui, por volta das 21 horas o sol está se pondo.
O caminho é lindo
Estou na metade de minha jornada pelos Estados
Unidos.
Todos os dias vou para escola estudar inglês.
Lá, em minha classe encontro pessoas de vários lugares do mundo. Existe um
grupo de monges do Camboja. Sempre me sento perto de um deles, não consigo
guardar o seu nome, mas ele sabe que me chamo Ana assim como outras duas
Colombianas, Ana Cristina e Ana Celena. Tenho uma amiga que veio da Venezuela,
outros muitos do México, três vieram da China, uma da Coréia e outra de
Myanmar. Outros vieram do continente Africano. Justim veio do Congo, ele
é refugiado, em um dos nossos exercícios de talking em que tínhamos
de falar sobre nossas lembranças da infância, Justin nos contou que só se
recorda de ter de correr muito e de estar sempre com muito medo. Fiquei muito
impressionada com sua história. Descobri nele um belo rosto para ser desenhado.
Não tive coragem de pedir isso, mas fiz um pequeno esboço no caderno durante
uma aula. Nairobi veio da República da África Central, nos contou que onde
morava não tinha computador, internet e celular que só veio ter contato com
essas tecnologias aqui nos Estados Unidos. Bo, veio da China, está aqui com sua
filha que estuda para entrar na universidade. Seu marido continua na China. Seu
nome significa onda. Maria Inês é brasileira, está aqui há quase seis meses.
Veio com o neto para aprender inglês e disse que nunca foi tão feliz em um
lugar. Lao é outra chinesa super esforçada e muito simpática com todos, cada
vez que Tatiana a corrige ela agradece. Tatiana, nossa professora, disse que em
todos os anos que é professora essa é a primeira vez que uma aluna a agradece
ao ser corrigida. Ela veio da Rússia, é enérgica, ninguém pode conversar. Don’t
talk! Don’t talk! Don’t use cell phone, no cell phone. De
tanto falar, à noite sonha com isso. Apesar de tudo isso ela consegue fazer com
que essa torre de Babel consiga se entender. Tatiana possui um humor bastante
particular. Irina, também veio da Rússia e ama o que faz e o país por todas as
oportunidades que ele oferece. Procura de todas as maneiras, fazer com que os
alunos compreendam o funcionamento da estrutura da escola, quais as
possibilidades de continuar os estudos, como se habilitar para um emprego. Para
ela, é preciso ter muito claro quais são as suas metas e quais os caminhos para
conseguir atingir seu objetivo. Também é rígida e difícil de sair um sorriso,
mas merece o título de professora
Hoje ao chegar na escola Tatiana me levou para
sala de teste junto com as outras duas Ana(s). Ontem fizemos o teste de listening
e hoje fomos fazer o teste para completar o English Language Learner (ELL).
Achei ótimo ninguém falar que teríamos a prova, assim não dá tempo de ficar
preocupado e você faz aquilo que sabe.
Orgulhosamente passei.
Dia 26 de maio meu certificado fica pronto.
Desse ponto para frente eu poderia continuar no curso High School para adultos
ou ir para o preparatório do Toffel para ir para a Universidade.
Foi uma experiência maravilhosa, e só posso
agradecer às professoras, à instituição Horizonte Instruction and Training
Center e aos meus queridos amigos Silvye e David que me deram todo o suporte e
apoio para fazer o curso.
Domingo de sol em Salt Lake City é dia de fazer caminhada
por algum local aqui perto. Para David, ficar dentro de casa é uma heresia,
todos precisam sair para caminhar. Sergeant Major Harrison, não admite negativas.
Assim que ele terminou a instalação da elétrica da cozinha junto com o técnico
já agrupou a sua tropa e deu a ordem de partida. A Sergeant Silvye, trata de
colocar os soldados em posição de atenção e envia a tropa para o truck e
organiza os mantimentos e equipamentos necessários. A tropa é constituída do
soldado Daniel, da soldada Ana Carmen e do soldado Charlie the dog, que devo dizer é o
mais animado de todos.
Lá vamos nós subir o morro. Quem me conhece sabe das minhas habilidades
com a altura, já fiquei empacata em um morrete na praia da Mococa em Caraguatatuba
e tive de ser socorrida por um amigo do Claudio Brettas. Uma das histórias que
ele mais gostava de contar e recontar. Quando menina, em Barretos, fui subir na
mangueira do pomar da casa da tia Arady e estanquei, não ia para frente e nem
para trás. Alguém do vizinho teve que me socorrer. Minha irmã e as outras
crianças não paravam de dizer que eu era muito medrosa. Eu simplesmente congelo
e minhas pernas começam a doer. Um horror.
Stg Major Harrison acredita que devemos vencer nossos medos
e viver plenamente a natureza, portanto, quando se faz parte do batalhão do
Sgt, não há a menor chance de sair da aventura.
Paramos o truck na 3401 S Crestwood Dr Salt Lake City, UT
84109. A rua é linda. Pela lateral da casa de nº 3401 há uma trilha que leva
para o alto da montanha. Sgt Major distribui os sticks de caminhada e lá vamos
nós. David, Charlie e Daniel vão na frente, Silvye fica para trás para me
acompanhar.
Ritmo de tartaruga tirando fotos.
Durante todo o caminho David vai nos amimando a estar junto
dele. Ele quer me mostrar e contar tudo o que sabe desse lugar. Foothills
possui uma vegetação rica em Oak Brunch, Buck Brunch e Sage Brunch. Essas plantas
são a comida de Alces e Veados. Durante o inverno é proibido a entrada de
animais como cachorros, pois os Alces e Veados estão procurando alimentos nesse
local. Os Alces comem as pontinhas dos galhos dos Oak e comem Sage, e os Veados
se alimentam de Buck e Sage. Procuramos no meio dessa vegetação algum chifre de
Alce ou Veado caído durante a troca de chifres, mas não encontramos.
No inverno de 1983 nevou muito nessa região e os animais
ficaram sem alimento. Trinta e cinco Alces morreram de fome. A neve estava
muito alta, mais de 2 metros. No jardim da casa que fica ao lado da trilha tem uma
árvore enorme chamada Aspen, um Alce faminto tentou comer o seu tronco e até
hoje existe a marca de sua mordida no local.
Devo confessar que no início fiquei com um pouco de medo
dessa empreitada, mas todos estavam me ensinando como andar na trilha, como
usar o stick para me apoiar e não me esborrachar no chão de cascalho e como é a
melhor maneira de pisar na trilha durante a descida. Desta forma, afirmo aqui
que Sergeant Major David Harrison estava certíssimo, ficar dentro de casa em um
domingo de sol é uma heresia. A montanha é linda, a paisagem de tirar o folego.
Avista-se toda a cidade de Salt Lake e ao fundo ao oeste as montanhas nevadas a
Antelope Island e o Great Salt Lake.